A adolescência é um dos períodos mais transformadores da vida, uma fase marcada por descobertas, mudanças físicas e emocionais intensas, e uma procura constante da própria identidade e sentimento de pertença. Contudo, o que acontece quando este processo natural de crescimento acontece diante de um ecrã, com as redes sociais como palco principal? A série Adolescência, da Netflix, levanta precisamente esta questão, ao retratar histórias reais de jovens que crescem sob o olhar atento e, por vezes, cruel, do mundo digital.
Nesta série, acompanhamos Jamie (o protagonista) e a forma como a sua imagem pública é moldada, distorcida e amplificada através das redes sociais. A exposição, os julgamentos imediatos e a necessidade de validação constante mostram o impacto real que o mundo digital tem na formação da identidade, na autoestima e nas relações interpessoais dos adolescentes.
Neste artigo, vamos explorar de forma aprofundada o impacto das redes sociais na vida dos jovens: como influenciam a forma como se veem, como se comparam, como se expõem e o que podemos fazer, enquanto adultos significativos, para apoiar um desenvolvimento mais saudável, autêntico e equilibrado. É essencial que pais e cuidadores consigam compreender melhor os desafios da adolescência digital.
Adolescência e identidade na era digital
Durante a adolescência, a construção da identidade torna-se uma das principais tarefas do desenvolvimento. Os adolescentes procuram respostas para perguntas fundamentais como “Quem sou eu?”, “O que me distingue dos outros?” ou “Onde pertenço?”. Esta procura, que em tempos se fazia sobretudo nas interações presenciais, com a família, os amigos e os pares, passou hoje, em grande parte, a acontecer também no espaço digital.
As redes sociais surgem, neste contexto, como espelhos distorcidos. Por um lado, oferecem oportunidades únicas de expressão individual, permitindo que os jovens explorem diferentes versões de si mesmos, partilhem gostos, opiniões e conquistas. Por outro, confrontam-nos constantemente com padrões idealizados de beleza, sucesso e popularidade, gerando uma comparação social incessante que pode comprometer o desenvolvimento de uma identidade autêntica. Ao acederem diariamente a plataformas como Instagram, TikTok ou Snapchat, os adolescentes estão expostos a uma avalanche de imagens e narrativas cuidadosamente construídas, editadas e filtradas. Muitas vezes, estes conteúdos são percecionados como reais, criando uma fasquia inalcançável para a autoimagem dos jovens. A necessidade de aprovação, traduzida em gostos, partilhas e comentários, torna-se parte integrante da sua autoestima. A identidade deixa, assim, de ser algo que se constrói de dentro para fora e passa a depender, em grande medida, da resposta externa.
A série Adolescência ilustra bem esta realidade. Na série conseguimos ver Jamie a adaptar o seu comportamento e a sua imagem àquilo que os outros esperam dele, ao que gera mais interações ou ao que o torna mais “relevante” online. Nos episódios percebemos como o bullying que sofre na escola e nas redes sociais influencia a forma como se apresenta, levando-o a moldar-se em função da aceitação e da popularidade. Na série compreende-se ainda o impacto da sua história pessoal e das inseguranças que carrega, que ajudam a perceber o porquê dessa procura incessante por validação. Esta pressão para manter uma imagem pública coerente, carismática e cativante é comum a muitos adolescentes reais, que acabam por perder a espontaneidade e autenticidade no processo de se afirmarem.
A série também explora o impacto dos conteúdos a que os personagens estão expostos, mostrando como os jovens ficam vulneráveis ao consumo de conteúdos inadequados e ao perigo de não ter controlo sobre o que estão a expor ou a consumir online. Jamie, por exemplo, vê a sua vida moldada e distorcida constantemente por aquilo que é partilhado e comentado, o que cria um ciclo de validação constante e uma sensação de não ter qualquer controlo sobre a sua própria narrativa. A falta de filtros no mundo digital pode ser prejudicial, pois os jovens são muitas vezes expostos a conteúdos manipulados, como rumores ou imagens que distorcem a realidade, criando um ambiente tóxico que afeta a sua saúde mental e emocional.
O impacto das redes sociais na autoestima
As redes sociais oferecem uma montra constante de vidas aparentemente perfeitas. Para adolescentes, que estão a aprender a gostar de si próprios, esta exposição pode ser um terreno fértil para comparações destrutivas. O tempo excessivo nas redes pode estar associado a baixa autoestima, insatisfação corporal, sentimentos de exclusão ou inferioridade, e até mesmo a sintomas de ansiedade e depressão. Os jovens comparam os seus bastidores com o palco dos outros, sentindo que a sua realidade nunca estará à altura da imagem idealizada que veem online. Esta comparação constante alimenta uma procura incessante pela validação, e a dependência das redes sociais torna-se uma moeda de troca para o valor pessoal.
Adolescência e a necessidade validação externa
Na adolescência, a necessidade de pertença é enorme. O número de likes, comentários e seguidores torna-se uma forma de medir valor. A validação externa, mesmo que momentânea, ativa circuitos cerebrais de recompensa, como se cada notificação fosse uma pequena dose de aprovação social.
Este mecanismo é perigoso porque:
- Cria dependência emocional das redes;
- Leva à publicação de conteúdos apenas para agradar aos outros;
- Faz com que a autoimagem dependa de fatores externos e voláteis.
Em vez de se conectarem com o que gostam ou acreditam, os adolescentes moldam-se ao que “vende” ou é popular.

O perigo do julgamento imediato
Num mundo digital, onde tudo acontece em tempo real, o julgamento não tem espaço para reflexão. Em questão de segundos, uma foto mal interpretada, um comentário fora de contexto ou um rumor podem ser amplificados e viralizados, com consequências profundas para a reputação e o bem-estar emocional dos jovens. A série ilustra esse fenômeno de forma vívida ao mostrar como a imagem pública de Jamie e também de Katie, a jovem assassinada cuja fotografia íntima, sem o seu consentimento, foi compartilhada de forma irresponsável nas redes sociais, são manipuladas e distorcidas. O que inicialmente era um momento privado e vulnerável é rapidamente transformado em um espetáculo público, onde os detalhes mais íntimos são analisados e julgados. Essa exposição indevida, que acontece com uma facilidade alarmante nas redes sociais, revela uma preocupante normalização da violação de privacidade e do desrespeito pelos limites pessoais dos outros. A fotografia da jovem, compartilhada sem permissão, exemplifica como a vulnerabilidade é tratada como um produto para consumo público, onde o consentimento e a dignidade são muitas vezes ignorados. As consequências desse julgamento imediato e da exposição forçada são devastadoras, afetando não apenas a autoestima e a saúde mental dos adolescentes, mas também as suas relações interpessoais.
A influência nas relações interpessoais
As redes sociais prometem aproximar as pessoas, oferecendo uma plataforma onde os adolescentes podem conectar-se, interagir e compartilhar momentos da sua vida. No entanto, na prática, o efeito das redes sociais sobre as relações interpessoais é frequentemente o oposto, criando uma desconexão emocional. Os principais efeitos das redes sociais nas relações dos adolescentes são:
1. Trocas superficiais em detrimento de conversas profundas
Com a pressão de manter uma presença constante e de agradar ao público, muitos adolescentes acabam por investir mais tempo em interações rápidas e superficiais. As conversas mais profundas, que antes aconteciam cara a cara, são substituídas por mensagens curtas e conteúdos muitas vezes vazios, desvalorizando a qualidade das interações e enfraquecendo os laços genuínos entre os jovens.
2. Medo de exclusão social (FOMO)
O FOMO (Fear of Missing Out) é um dos efeitos mais marcantes das redes sociais. Muitos adolescentes sentem-se obrigados a estar constantemente conectados, temendo perder algo importante, como uma conversa ou um momento online. Esse medo de ser excluído faz com que eles se mantenham sempre disponíveis, sacrificando momentos de qualidade fora do ambiente digital, o que pode levar a uma sensação de sobrecarga e desconexão emocional.
3. Conflitos e discussões online com consequências offline
Os conflitos, que anteriormente eram resolvidos presencialmente, passaram a ocorrer com frequência no ambiente digital. No entanto, essa dinâmica online pode gerar mal-entendidos, discussões impulsivas ou até agressões que, depois, refletem-se na vida offline. A natureza impessoal das interações digitais pode acentuar o impacto emocional dessas disputas, afetando as amizades e relações familiares de forma mais intensa.
4. A ansiedade social e a perda de autenticidade
A constante exposição nas redes sociais, onde os jovens estão sempre preocupados com sua imagem e com a opinião dos outros, pode gerar ansiedade social. A necessidade de parecer “perfeito” ou “bem-sucedido” leva os adolescentes a concentrarem-se mais na aparência do que na conexão genuína com os outros. Essa pressão para manter uma “imagem ideal” pode resultar em uma perda de autenticidade nas relações, que se tornam mais focadas na validação externa do que no relacionamento real.
O papel dos pais
Num cenário digital tão complexo e cheio de desafios, os pais desempenham um papel fundamental no apoio ao desenvolvimento saudável dos adolescentes. No entanto, como é ilustrado na série o papel dos pais nem sempre é claro ou fácil. A série mostra como, muitas vezes, as intenções dos pais são boas, mas o impacto das suas ações ou da falta de uma comunicação mais aberta pode ser profundo, resultando em consequências que nem sempre conseguem controlar.
Na adolescência, o processo de construção da identidade é intenso, e os pais têm uma influência crucial. No entanto, os pais de Jamie, na série, estão frequentemente numa posição de desinformação, sem compreender completamente o que o filho está a viver no mundo digital. Mesmo com as melhores intenções, os pais acabam por não conseguir acompanhar as mudanças rápidas e a pressão das redes sociais. O apoio emocional é muitas vezes insuficiente, o que leva o jovem a procurar validação e aprovação fora de casa. Este desconcerto entre o que os pais pensam ser importante e as reais necessidades do adolescente é uma realidade de muitos lares. Em muitos casos, tal como os pais de Jamie, acabam por sentir uma forte culpa, questionando o que poderiam ter feito de diferente para ajudar o filho a lidar com a pressão social e digital.
Estratégias práticas para pais
A série também oferece uma reflexão importante sobre o que os pais podem fazer para apoiar melhor os seus filhos. A solução não está em evitar a tecnologia ou em proibir o uso das redes sociais, mas sim em estabelecer um diálogo aberto e contínuo sobre os desafios que os adolescentes enfrentam online. Este apoio emocional, aliado à promoção da literacia digital, pode ajudar os jovens a tomarem decisões mais conscientes e a lidarem com as pressões sociais de forma mais saudável. Como podem os pais ajudar de forma positiva?
- Promover a literacia digital e o pensamento crítico: Ensinar os jovens a reconhecerem conteúdos manipulados, discursos tóxicos e influências prejudiciais é essencial. Ajudar os adolescentes a entender que nem tudo o que é viral é verdadeiro ou saudável pode ser um passo importante no desenvolvimento da sua capacidade de discernimento.
- Estabelecer regras claras para o uso das redes sociais: Definir limites de tempo e normas para o que é aceitável online é uma maneira de garantir que os adolescentes não se perdem nas redes sociais. Esta abordagem ajuda a controlar o tempo gasto em plataformas digitais e pode prevenir o vício ou o uso excessivo.
- Utilizar ferramentas de controlo parental: Os pais podem usar ferramentas de controlo parental para monitorizar a atividade dos seus filhos nas redes sociais e em dispositivos móveis. Estas ferramentas permitem filtrar conteúdos, limitar o tempo de uso e alertar os pais para comportamentos online problemáticos. Uma sugestão útil é o Google Family Link (https://families.google/familylink/) que oferece um painel de controlo fácil de usar, permitindo aos pais monitorizar e proteger a experiência online dos filhos.
- Criar espaços seguros para conversas abertas: Estabelecer momentos regulares para falar sobre o que os adolescentes veem, sentem e vivem online, sem julgamentos, é uma maneira eficaz de os pais ficarem informados sobre o que está a acontecer na vida digital dos seus filhos. Isso ajuda a criar uma relação de confiança mútua e permite que os jovens se sintam mais seguros para discutir questões delicadas.
- Ser um modelo de comportamento online: Os pais devem ser conscientes da sua própria presença nas redes sociais e do exemplo que dão aos filhos. Mostrar moderação, autenticidade e respeito online pode influenciar os adolescentes a seguir comportamentos semelhantes.
Reflexões finais
A adolescência digital apresenta desafios únicos, mas com o apoio adequado, os jovens podem aprender a navegar de forma saudável no mundo online. Pais e cuidadores desempenham um papel fundamental, promovendo o diálogo, a literacia digital e utilizando ferramentas de controlo parental. Ao estabelecer limites claros e criar um ambiente de confiança, podemos ajudar os adolescentes a desenvolverem uma identidade autêntica e proteger o seu bem-estar emocional.
A série, Adolescência, serve como um alerta valioso, lembrando-nos da importância de refletirmos sobre o que os jovens estão a consumir online e o nosso papel e responsabilidade enquanto adultos na orientação e apoio deste processo.