Quando se está numa relação amorosa não-normativa podem existir vários desafios relacionados com o estigma de não se pertencer à “norma social”.
Neste contexto, quando falo de relações amorosas não-normativas refiro-me a relações não-heterossexuais, mas também a configurações relacionais distintas, como, por exemplo, as não-monogamias.
Quais são os principais desafios nestas relações amorosas?
O estigma social que existe face a uma relação amorosa não-normativa pode causar stress e trazer desafios acrescidos para a relação, além de também individualmente para as pessoas que estão na relação.
Alguns dos principais desafios são:
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- Esperar ou ter receio da desaprovação, rejeição ou discriminação por parte das outras pessoas. Por exemplo, uma pessoa pode evitar falar sobre o/a seu/sua companheiro/a no jantar da empresa, por antecipar comentários desagradáveis ou algum tipo de discriminação;
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- O casal ser rejeitado/a ou discriminado/a, por exemplo ouvirem comentários na rua por estarem de mãos dadas;
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- Não ver a relação reconhecida ou protegida legalmente da mesma forma que relações que se enquadram na norma;
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- Sofrer com estigma internalizado, ou seja, apresentar determinadas crenças ou preconceitos que interferem na relação, como por exemplo “não lhe vou dar a mão na rua, as demonstrações de afeto são só para nós, não vou estar a dar ‘espetáculo”;
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- Ter de passar pelo processo de coming-out enquanto casal, parceria ou configuração relacional. Este processo pode repetir-se várias vezes, e nem sempre por decisão da própria pessoa. Além disso, se um dos membros do casal está “no armário” e o outro não, é expectável que surjam conflitos. A pessoa que está no “armário” pode-se sentir ameaçada pela visibilidade da outra ou desvalorizada por não ser incluída nas suas redes sociais;
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- Ter necessidade de garantir a segurança do casal e de procurar um sentido de pertença à comunidade. Ao procurar casa, o casal pode, por exemplo, questionar-se “será que no sítio onde vamos viver as pessoas são inclusivas? Ou será que nos vão discriminar ou rejeitar?”.
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- Não ser percepcionado enquanto casal. Por exemplo, as pessoas assumirem que duas mulheres são melhores amigas, e não um casal;
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- Passar pelo processo de decisão e negociação sobre família e filhos, e todo o stress associado a processos de adoção, procriação medicamente assistida, maternidade de substituição…;
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- Ter menor facilidade de acesso a determinados benefícios legais inerentes ao casamento;
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- Ver limitada a participação em eventos familiares, havendo mesmo, por vezes, uma exclusão por parte das famílias de origem;
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- Ter de gerir estereótipos relativamente à maneira como casais do mesmo sexo funcionam;
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- Passar por experiências de escrutínio em público, como, por exemplo, as pessoas fazerem perguntas como quem é que faz o quê na relação ou como é a vida sexual;
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- Não ter modelos relacionais presentes, ou seja, não conhecer outras relações semelhantes. Isto faz com que casais do mesmo sexo tendam a desenvolver dinâmicas relacionais próprias. Se, por um lado, isso pode ser libertador, por outro lado, também pode ter consequências negativas. Não existindo termos de comparação, existe maior dificuldade em obter feedback de outras pessoas relativamente à sua própria relação conjugal. Isso pode fazer com que se questionem: “será que as dificuldades têm a ver com orientação sexual ou são comuns a todas as relações?”. Também pode haver discrepância de expectativas, que devem ser discutidas;
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- Contarem como menor apoio social, nomeadamente por sentirem que a relação não é levada com a mesma seriedade como se se tratasse de uma relação entre pessoas de sexo diferente.
- Contarem como menor apoio social, nomeadamente por sentirem que a relação não é levada com a mesma seriedade como se se tratasse de uma relação entre pessoas de sexo diferente.
Umas relações são melhores que outras?
Estas especificidades e desafios não fazem com que as relações amorosas em pessoas LGTBQIA+ sejam piores, ou melhores. São apenas diferentes e as suas especificidades não devem ser ignoradas, pois têm impacto no sistema que é o casal.
Apesar disso, estes desafios podem ser geridos e a satisfação com a relação pode ser elevada. De facto, os estudos comparativos mostram que não há diferenças na satisfação conjugal entre casais do mesmo sexo e de sexo diferente.
Ainda assim, a conjugalidade entre casais do mesmo sexo é fortemente influenciada pela homofobia.
Há também aspetos positivos a salientar, nomeadamente, o facto de casais do mesmo sexo, com ou sem filhos, dividirem o trabalho familiar de forma mais igualitária do que casais de sexo diferente.
No fim, o que importa… é o amor!
Independentemente das especificidades, não há nada intrinsecamente diferente no sentimento e naquilo que une um casal, independentemente do género, orientação sexual ou configuração relacional.
É importante compreender as especificidades, para percebermos, por um lado, que ainda há um caminho a percorrer no que diz respeito a combater o estigma. Por outro lado, para empatizarmos e percebermos que todas as relações são diferentes e que não podemos, na tentativa de querer que tudo seja “igual” e “ideal”, ignorar e menosprezar as necessidades de diferentes relações.