Um dos motivos que leva mais casais à sala de terapia de casal é a forma como comunicam, sobretudo em contexto de discussão. Discutir ainda é vivido ou visto por muitos casais como um “bicho-pãpão”, de tal forma que chegam a existir pedidos de consulta baseados na vontade de erradicar por completo as discussões.
Serão as discussões algo a evitar? A realidade é que discutir faz parte da vivência de todos os casais. Se todos os casais discutem de forma eficaz ou saudável? Não. Neste artigo, procuraremos ajudar a pensar em formas mais construtivas e saudáveis de gerir divergências no casal.
Discutir é algo a evitar?
A forma como o casal discute é geralmente uma grande fonte de conflito. Aliás, se lhe pedir para imaginar na sua cabeça um momento de um casal em conflito, provavelmente tenderá a pintar um cenário com gritos ou alguma elevação da voz, expressões de raiva, talvez alguns palavrões, agressões do nível verbal e físico. Esta é a descrição ou a conceção que muitas pessoas têm das discussões, o que torna as torna tão assustadoras – isto é alimentado pelos filmes/séries que vemos, os livros e, em última análise e com um peso preponderante, pela forma como vimos os nossos pais e outras pessoas próximas a discutir. Porém, esta não é a única forma de o fazer, e está longe de ser a mais eficaz.
A discussão é um momento de comunicação, ao qual está muitas vezes associado mal-estar pela necessidade de abordar um tópico mais delicado, alguma coisa que nos magoou ou apontar algo que não está a correr tão bem como gostaríamos. É, por isso, um momento mais propício a ativação emocional.
Quando os casais surgem em consulta porque acham que “não sabem discutir”, usam também muitas vezes a expressão de que existe muita “falta de comunicação” na relação. No entanto, a realidade é que, quando estamos em interação com outra pessoa, estamos em constante comunicação, considerando que não comunicamos somente pelas palavras, mas também pela nossa expressão facial e corporal e, também, pelos silêncios. Ora, quando escolhemos não dizer algo isso também é comunicar. Por isso, de uma forma mais técnica, não existem faltas de comunicação, mas sim, comunicações pouco eficazes ou produtivas.
Como discutir de forma mais saudável e eficaz?
Antes de trazer algumas ideias importantes a reter antes, durante e após a discussão, importa clarificar que nós, seres humanos, somos seres sociais, que comunicam em dois níveis diferentes: ao nível do conteúdo e da relação. Ou seja, quando dizemos algo a alguém, transmitimos informação acerca de um assunto (o conteúdo, pelas palavras que usamos), mas também sobre a relação entre as duas pessoas (expresso, predominantemente, por aspetos não verbais). Porque é que isto é importante? Por exemplo, um casal pode estar a discutir um com o outro porque um elemento se esqueceu de lavar a loiça. Esta discussão pode ser mais sobre as dinâmicas de entreajuda entre estes elementos do que propriamente sobre quanta loiça está ou não na banca. O que é discutido nestes momentos mais intensos, frequentemente, vai muito além do conteúdo, refletindo o estado da relação.
Antes da discussão:
Se quer abordar algum assunto mais sensível/difícil/ativador com a(s) pessoa(s) com quem tem uma relação, poderá ser importante ter em conta:
-
- Abordar o assunto num local físico confortável e tranquilo, onde não hajam interrupções e outras pessoas;
-
- Procurar escolher um momento que seja oportuno para as pessoas envolvidas para que não se discutam assuntos com pressa e haja tempo para desenvolver os mesmos;
-
- Automonitorizar-se antes de introduzir o tema – procurar perceber, antes de iniciar a conversa, qual o seu nível de ativação, se existe tranquilidade/calma suficiente, evitar iniciar a discussão no pico das emoções e defensividade.
Disclaimer: há muitas discussões que acontecem e nós “nem damos por elas” e nesses momentos, não existe tempo para ter estes passos. Será importante focar no que pode ser feito durante.

Durante a discussão:
-
- Usar mensagens eu – evite o foco no “tu fizeste isto”, “tu fizeste isto”, focar-se no que sentiu e experienciou ajuda a diminuir ou pelo menos a não aumentar a defensividade do outro lado. “Eu senti-me pouco ouvida porque senti que estavas a prestar mais atenção ao telemóvel”. E foca o discurso no que é a sua perceção e não em certezas absolutas ou “apontares de dedo”;
-
- Automonitorização – é algo complexo e difícil, sobretudo num momento de conflito, com as emoções ativadas intensamente. Consiste em ir analisando o seu estado, se sente muita ansiedade, se está a elevar o tom de voz excessivamente, se está a fugir do tópico, se está a sentir-se em segurança. Poderá ser importante analisar isto de um ponto de vista não verbal e ao nível das sensações físicas – ritmo cardíaco, capacidade de respirar, tom de voz, postura;
-
- Pedir uma pausa – as discussões tendem a “descambar” e a entrarem por caminhos mais destrutivos e pouco saudáveis quando as pessoas envolvidas perdem o controlo sobre as suas emoções, pensamentos e, posteriormente, ações. Poderá ser útil fazer uma pausa se os ânimos estiverem a escalar em demasia, algum dos membros do casal já não sentir segurança suficiente para continuar a conversar, se estiverem prestes ou já tiverem ultrapassado limites de algum dos envolvidos, se o tema que era suposto estar a ser discutido já nem está em cima da mesa e o foco já passou para outros assuntos. Este pedido pode ser feito por um dos membros e deve ser consentido por todos os elementos do casal, acordando um novo momento ou especificando quanto tempo durará a pausa até que se possam voltar a juntar para continuar a debater, com as emoções mais controladas.
-
- Relembrar do objetivo da discussão – porque é que estão a discutir? O objetivo é ter razão ou melhorar a relação? Conhecerem-se melhor? Ouvirem-se e apoiarem-se mais?
-
- Focar-se no tópico em questão – muitas vezes, perante um tópico que é trazido à discussão, vão-se buscar outros conflitos do passado, discutidos ou não. “Tu também fizeste isto há 2 meses e eu não disse nada”, “quem é tu para me falar disto, se tu também fazes X?”. Isto torna a conversa pouco produtiva e retira-a do momento presente.
-
- Falar de comportamentos e não da pessoa – deve focar-se no que a pessoa fez ou não fez que causou mágoa, desconforto ou raiva, ao invés de escalar isto para o que a pessoa é. Todos nós temos, por vezes, comportamentos menos adequados ou falhamos com as expetativas dos outros. É no nível do comportamento que devemos falar e não sobre o caráter da pessoa. É diferente dizer “senti-me frustrada por não teres lavado a loiça como combinámos” do que dizer “és mesmo um grande preguiçoso, nunca fazes nada cá em casa”.
-
- Ter atenção à linguagem não verbal – como mencionado anteriormente, não se comunica unicamente com as palavras. A componente não verbal, muitas vezes, tem até um papel mais relevante nestes momentos mais ativadores. Atente ao seu tom de voz, procure manter-se numa posição sentada ou neutra, não utilizando gestos que possam ser agressivos ou intrusivos.
-
- Evitar ameaças e ultimatos – as discussões são momentos que propiciam algum grau de defensividade. Recorrer a ameaças e ultimatos aumenta esta defensividade, assim como o grau de insegurança dentro da conversa e da relação, sendo contraproducente.
Depois da discussão:
-
- Momento para reflexão de cada um dos envolvidos – após um momento de grande ativação é útil cada envolvido tirar um momento para se centrar e acalmar: fazer alguma coisa que goste, dar uma caminhada, ficar em silêncio, praticar algumas respirações mais profundas.
-
- Reflexão em conjunto – caso faça sentido poderão em conjunto tirar uns momentos, talvez não no dia da discussão, para refletir sobre a mesma e metacomunicar (comunicar sobre a forma como comunicaram durante a discussão) – o que foi útil? O que aprenderam? A que conclusões chegaram? O que será importante fazer ou não fazer em prol do bem-estar da relação? Como é que se sentiram?
Isto são apenas algumas sugestões e reflexões que poderão ser-lhe úteis num momento de conflito. As discussões são inevitáveis e o que está acima pode parecer-lhe ambicioso ou quase “impossível” de colocar em prática, poderá estar até a pensar “como é que eu me vou lembrar disto quando estiver a discutir no calor do momento?”. Compreendo as suas dúvidas, porém, a mudança só acontece quando começamos a fazer coisas diferentes do habitual e o mais pequeno dos passos poderá ter um impacto positivo ao longo do tempo. Além disso, não esquecer que temos responsabilidade afetiva dentro das nossas relações e isso aplica-se também no momento da discussão – sermos responsáveis pelo que dizemos, como e quando o dizemos. E mesmo que a pessoa com quem discuta faça o oposto de tudo o que foi mencionado, isso não deverá servir como justificação para fazer de espelho e replicar este comportamento. Todas as sugestões em cima requerem algum treino, a grande maioria de nós está habituada a fazer do momento da discussão um campo de batalha, na luta pela razão, não tem de ser assim.
Convido a colocar em prática algumas das sugestões em cima e a enviar este artigo aos restantes elementos do casal. Não esquecer que, caso estejam num momento de dificuldade em que não consigam gerir os momentos de discussões ou quaisquer outras questões em casal, há ajuda disponível.