Sono infantil é um dos pilares mais importantes do desenvolvimento, mas também um dos que mais dúvidas e desafios traz aos pais. O sono na infância é essencial para o crescimento saudável, o equilíbrio emocional e o bom funcionamento do cérebro. “Dormiste bem?” — é uma das perguntas mais comuns e, ao mesmo tempo, mais importantes que fazemos no início de cada dia. No entanto, garantir que a resposta seja positiva nem sempre é simples quando falamos de crianças.
Dormir é uma necessidade biológica fundamental para todas as idades, mas na infância assume um papel ainda mais crucial. Não se trata apenas de descansar, o sono é um momento vital de reorganização cerebral, consolidação de memórias, crescimento físico e regulação emocional. Ainda assim, muitos pais enfrentam desafios no que diz respeito ao sono dos seus filhos: resistências para dormir, despertares noturnos frequentes, medo do escuro ou simplesmente dificuldades em estabelecer uma rotina.
Neste artigo, exploramos o impacto do sono na infância, os sinais de alerta, os erros mais comuns cometidos pelas famílias e, sobretudo, estratégias práticas para promover hábitos de sono saudáveis desde os primeiros anos de vida.
O cérebro e o sono
Durante o sono profundo, o cérebro infantil realiza uma série de processos essenciais: consolida as aprendizagens do dia, organiza a memória, equilibra as emoções e promove a regeneração celular. Além disso, é durante o sono que ocorre a maior libertação da hormona do crescimento, o que demonstra a importância biológica de um descanso adequado.
Estudos demonstram que a privação de sono nas crianças está associada a maiores dificuldades de concentração, menor rendimento escolar, maior irritabilidade e maior risco de desenvolver problemas de saúde mental no futuro. O sono é, portanto, um pilar fundamental do desenvolvimento cognitivo e emocional. Não se trata apenas de “descansar o corpo”, mas de nutrir o cérebro e preparar a criança para os desafios do dia seguinte.
8h? 10h? Mas afinal quantas horas devem dormir?
A Organização Mundial da Saúde (OMS), tem algumas recomendações específicas, dependendo da faixa etária, para o sono infantil:
- Bebés (0 a 3 meses): entre 14 a 17 horas por dia, incluindo sestas;
- Bebés (4 a 11 meses): 12 a 16 horas de sono por dia, incluindo sestas;
- Crianças (1 a 2 anos): 11 a 14 horas de sono por dia, com possibilidade de sestas;
- Crianças (3 a 4 anos): 10 a 13 horas por dia, com sestas;
- Crianças dos 5 aos 6 anos: 10 a 13 horas por dia, normalmente sem necessidade de sestas;
- Crianças dos 6 aos 12 anos: 9 a 12 horas por noite, de forma contínua.Adolescentes (13 a 18 anos): 8 a 10 horas de sono por noite.
Estas recomendações reforçam a necessidade de promover rotinas consistentes e limitar o tempo de ecrã, principalmente antes de dormir, uma vez que a exposição à luz azul interfere com a produção natural de melatonina. No entanto, é fundamental lembrar que cada criança é única. Estas orientações servem como referência geral, mas o mais importante é perceber que o sono saudável não depende apenas da quantidade de horas dormidas, a qualidade do sono é igualmente essencial. Crianças que dormem o número adequado de horas, mas acordam frequentemente durante a noite, têm pesadelos constantes ou apresentam sinais de cansaço durante o dia, podem não estar a ter um sono reparador. Estar atento aos sinais do corpo e do comportamento da criança é crucial para garantir que o descanso está realmente a cumprir a sua função regeneradora. Além disso, a OMS sublinha a importância de estimular a atividade física e a interação com os cuidadores ao longo do dia, elementos que também contribuem para uma noite de sono mais tranquila. A falta de sono pode ter consequências sérias, afetando a concentração, a memória e até mesmo o comportamento da criança. Ao longo do tempo, a privação de sono pode resultar em maiores dificuldades cognitivas, emocionalmente instáveis, além de aumentar o risco de doenças físicas.
Riscos da privação de sono infantil
As consequências da falta de sono para as crianças podem ser muitas. Elas não se limitam apenas a uma simples sensação de cansaço. A privação de sono pode levar a uma série de complicações comportamentais, cognitivas e até de saúde. Um sono inadequado ou insuficiente pode afetar:
- Desempenho cognitivo: As crianças que não dormem o suficiente podem ter dificuldades de concentração, de aprendizagem e de memória. Isso pode impactar negativamente o desempenho escolar e as habilidades de resolução de problemas;
- Problemas emocionais e comportamentais: A falta de sono pode resultar em mudanças de humor, aumento da irritabilidade, impulsividade e ansiedade. Além disso, pode levar ao desenvolvimento de perturbações emocionais, como depressão e dificuldades de autorregulação;
- Saúde física comprometida: O sono inadequado prejudica o sistema imunológico, tornando a criança mais vulnerável a infecções e doenças. Além disso, está associado a um risco maior de obesidade, diabetes tipo 2 e problemas cardíacos no futuro;
- Interferência nas relações sociais: A falta de sono também pode afetar a capacidade das crianças de interagir socialmente e de desenvolver habilidades sociais. Podem apresentar comportamentos agressivos, prejudicando a qualidade das suas relações com os amigos e familiares;
- Problemas de crescimento: O sono é essencial para a liberação da hormona do crescimento. Quando uma criança não dorme o suficiente, pode haver um impacto negativo no seu crescimento físico.
A longo prazo, as consequências de um sono inadequado podem afetar a saúde física e mental da criança, influenciando até mesmo o seu bem-estar na adolescência e na fase adulta. Por isso, é importante que os pais reconheçam a importância do sono e o impacto que ele tem no desenvolvimento integral dos seus filhos. Estratégias eficazes para melhorar o sono infantil não só promovem uma boa saúde, mas também favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento socioemocional das crianças.

Sono saudável – 6 estratégias para pais
Para a promoção de uma rotina de sono saudável e de qualidade deixo algumas dicas práticas e estratégias que ajudam a criar um ambiente mais propício ao descanso e a desenvolver hábitos saudáveis que perduram ao longo do tempo.
1 – Estabelecer uma rotina de sono consistente
As crianças prosperam com rotinas, pois as rotinas proporcionam uma sensação de segurança e previsibilidade. Estabelecer uma rotina consistente antes de dormir ajuda o corpo e a mente a relaxarem e a se prepararem para a noite de descanso. A rotina pode incluir atividades calmantes como um banho quente, ler uma história ou ouvir uma música suave. O importante é que essas atividades sejam feitas na mesma sequência todas as noites. Além disso, a regularidade no horário de ir para a cama é fundamental. Garantir que a criança vai para a cama à mesma hora todos os dias, mesmo nos fins de semana (sempre que possível), ajuda a regular o relógio biológico e favorece um sono mais profundo. A consistência também ensina a criança a reconhecer quando é hora de dormir e de se acalmar e preparar-se para o sono.
2 – Criar um ambiente tranquilo e confortável
O ambiente em que a criança dorme tem um grande impacto na qualidade do seu sono. É crucial garantir que o quarto da criança é um local calmo, sem distrações ou estímulos excessivos. A temperatura do ambiente também é importante: deve ser fresca, entre 18°C e 22°C, para criar um ambiente ideal para o descanso. Se possível, usar cortinas opacas para garantir que o quarto fique escuro durante a noite, ajudando a manter os níveis de melatonina adequados. Além disso, o conforto do colchão e dos lençóis deve ser considerado. Um colchão adequado e confortável pode melhorar a postura e ajudar a evitar desconfortos que possam acordar a criança durante a noite. Evitar a presença de brinquedos, eletrónicos ou outros objetos que possam causar distração ou oferecer risco durante o sono também é fundamental. Um ambiente minimalista e tranquilo favorece a calma necessária para uma noite reparadora.
3 – Limitar o tempo de ecrãs
Hoje em dia, infelizmente, é comum que as crianças usem dispositivos eletrónicos, como tablets, telemóveis ou tv, antes de dormir. No entanto, existem efeitos negativos do uso destes dispositivos, pois a luz azul emitida por estas telas interfere na produção de melatonina, o que dificulta o adormecer. Por isso, é fundamental limitar o tempo de ecrãs nas horas que antecedem o momento de ir para a cama.
Uma boa estratégia passa por tentar estabelecer uma “zona livre de ecrãs” pelo menos 30 a 60 minutos antes de dormir. Isto inclui telemóveis, televisão e outros jogos. Usar este tempo para atividades mais calmas, como leitura, conversa ou relaxamento, que preparam o corpo e a mente para o descanso. Para crianças mais velhas, estabelecer regras claras sobre quando podem usar os dispositivos eletrónicos, especialmente à noite, e incentivar atividades alternativas, como ouvir música relaxante ou fazer meditação.
4 – Evitar refeições pesadas à noite
A alimentação também influencia diretamente a qualidade do sono. Evitar oferecer refeições pesadas ou muito condimentadas nas horas que antecedem a hora de dormir. Alimentos ricos em gordura ou açúcar podem aumentar os níveis de energia e dificultar o adormecer. Além disso, uma refeição muito volumosa pode sobrecarregar o sistema digestivo, fazendo com que a criança se sinta desconfortável ou tenha indigestão durante a noite. O ideal é haver um jantar leve, composto por alimentos que favoreçam o relaxamento, como carboidratos complexos (arroz integral, aveia), proteínas magras (como frango ou peixe) e uma pequena porção de frutas, como banana ou maçã, que contêm triptofano, um aminoácido que ajuda na produção de melatonina. Evitar também bebidas estimulantes, como refrigerantes e bebidas que possam conter cafeína como chá preto ou verde. Se a criança tiver fome antes de dormir, optar por um lanche leve, como um copo de leite morno ou um punhado de nozes.
5 – Falar sobre as emoções associadas
É comum que crianças pequenas tenham medos noturnos ou receio de dormir sozinhas, e isso pode ser um desafio para os pais. Nestes casos, é importante ouvir a criança sem minimizar ou desconsiderar os seus medos. Em vez de ignorar os sentimentos de insegurança, conversar sobre eles de forma aberta e empática, ajuda a criança a entender que é normal sentir medo em determinados momentos, mas que ela está segura no seu quarto. Quando existe este medo, estabelecer um “ritual de segurança” antes de dormir, como uma luz noturna suave ou um objeto de conforto, como um peluche, pode ajudar a criança a sentir-se mais tranquila.
Explicar, com calma, que o pai e a mãe estão por perto e que ela pode chamar caso se sinta assustada. Se houver pesadelos e se forem frequentes, vale a pena conversar com a criança sobre o que está a acontecer e tentar identificar se existe algo durante o dia que esteja a promover essa preocupação e/ou ansiedade.
6 – Procurar ajuda profissional
Em alguns casos, as dificuldades com o sono podem ser mais complexas e persistentes. Se os problemas de sono continuarem, mesmo depois de implementar estas estratégias, pode ser necessário procurar a ajuda de um especialista. Um pediatra ou um psicólogo especializado em perturbações do sono infantil podem ajudar a diagnosticar questões subjacentes, como apneia do sono, bruxismo (ranger dos dentes), ansiedade ou outros problemas emocionais.
Como lidar com os despertares noturnos?
É comum que as crianças, especialmente as mais novas, acordem durante a noite. Isso pode ser por vários motivos: pesadelos, medo do escuro, desconforto físico ou simplesmente porque ainda não aprenderam a se acalmar sozinhas. A resposta dos pais a esses despertares é crucial para a qualidade do sono da criança. Quando a criança acorda durante a noite, os pais devem tentar minimizar os estímulos. Levá-la para a cama dos pais ou deixá-la acordada por muito tempo pode reforçar o comportamento de despertar. Em vez disso, é possível usar técnicas como o “conforto gradual”, onde o pai ou a mãe permanece no quarto, mas sem interagir diretamente com a criança, até que ela volte a adormecer sozinha. Estas estratégias são eficazes para evitar que a criança desenvolva hábitos de sono prejudiciais, como acordar frequentemente durante a noite em procura de atenção. Para as crianças mais velhas, técnicas de relaxamento, como respiração profunda ou a utilização de uma luz noturna, também podem ajudar a reduzir os despertares.
No entanto, é fundamental sublinhar que deixar a criança chorar ou ignorar suas necessidades durante esses momentos não é uma solução eficaz e pode trazer mais riscos do que benefícios. As crianças pequenas ainda estão em processo de aprendizagem sobre como lidar com os seus sentimentos e a ausência de suporte emocional pode aumentar a ansiedade e insegurança, prejudicando não só o sono, mas o seu bem-estar geral. Por isso, é essencial que os pais atendam às necessidades da criança de maneira sensível e tranquila, criando um ambiente seguro e acolhedor.
O sono e a saúde mental dos pais
Falar de sono infantil é, inevitavelmente, falar também sobre o bem-estar dos pais. Quando uma criança não dorme bem, toda a dinâmica familiar é afetada. A privação de sono prolongada pode gerar irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração e até sintomas de depressão nos cuidadores. Além disso, pais exaustos tendem a ter menor tolerância ao comportamento da criança durante o dia, o que pode aumentar o número de conflitos e afetar a qualidade da relação. Cuidar do sono da criança é também uma forma de cuidar da saúde emocional da família. Quando os pais conseguem dormir melhor, têm mais disponibilidade para reagir com empatia, regular as suas próprias emoções e estar verdadeiramente presentes. Investir em rotinas de sono estruturadas não é apenas uma questão de disciplina, é uma estratégia de bem-estar familiar!
Dormir bem é crescer bem!
Proporcionar um ambiente saudável para o sono, com uma rotina estruturada e atenção ao bem-estar emocional, é fundamental para que as crianças possam crescer de forma equilibrada e saudável. Embora as orientações gerais sobre a quantidade de sono necessária para cada faixa etária sejam um bom ponto de partida, é importante lembrar que cada criança é única. Por isso, os pais devem sempre estar atentos às necessidades individuais dos seus filhos, neste sentido a consulta com um profissional pode fornecer uma compreensão mais detalhada das necessidades específicas do filho, oferecendo estratégias personalizadas para melhorar a qualidade do sono e, consequentemente, a qualidade de vida da criança e da família.
Por fim, recomendo a consulta das informações fornecidas pelo Serviço Nacional de Saúde (https://www.sns24.gov.pt/pt/tema/saude-da-crianca/sono-na-crianca/ ) que traz orientações adicionais sobre o sono infantil.